Guerra do Paraguai foi o maior
conflito armado internacional ocorrido na América do Sul.1 Foi travada
entre o Paraguai e aTríplice Aliança, composta por Brasil, Argentina e Uruguai2 . A guerra
estendeu-se de dezembro de 1864 a março de 1870. É também
chamada Guerra da Tríplice Aliança (Guerra de la Triple
Alianza), na Argentina e Uruguai, e de Guerra Grande, no
Paraguai.
Para os paraguaios, não existe herói
maior do que Francisco Solano López, o ditador que há exatos 150 anos invadiu o
Brasil e deflagrou a Guerra do Paraguai (1864–1870).
As deferências se espalham pelo país.
Solano López dá nome a cidade, rodovia, ruas, praças, hospitais, colégios. A
principal via de Assunção é a Avenida Mariscal López (mariscal é o termo em
espanhol para marechal). As homenagens vão de academia de tae-kwon-do a parque
de diversões, de shopping center a time de futebol.
O rosto do ditador aparece na moeda
de mil guaranis. Faz sucesso entre os adolescentes uma camiseta que, numa
licença histórica, retrata o mariscal e Che Guevara lado a lado.
— Solano López se transformou numa
religião cívica — resume Herib Caballero Campos, historiador da Universidade
Nacional de Assunção e autor do livro El País Ocupado (sem edição em
português).
É um culto contraditório. A herança
de Solano López foram a derrota e a humilhação. O país ficou em ruínas, e
pedaços do território foram perdidos para os países vencedores. Estima-se que
75% da população paraguaia tenha morrido nos cinco anos do conflito, seja no
front, seja por fome e doenças. A Guerra do Paraguai é o mais sangrento
conflito já visto na América Latina.
Crianças e anciãos
A guerra derivou das tensões
diplomáticas na região do Rio da Prata. O Paraguai cultivava estreitas relações
com o Uruguai, pois o comércio exterior dependia do porto de Montevidéu, mas
mantinha um pé atrás em relação ao Brasil e à Argentina, vistos como
expansionistas.
O frágil equilíbrio se rompe em
outubro de 1864, quando o Brasil
invade o Uruguai para intervir numa guerra civil local. O Paraguai protesta, temendo perder o aliado. Como dom Pedro II ignora
as reclamações, o mariscal toma duas medidas radicais. Em novembro, confisca o
navio brasileiro Marquês de Olinda, que navegava pelo Rio Paraguai, na altura
de Assunção, rumo a Cuiabá. Em dezembro, manda suas tropas atacarem a província
de Mato Grosso. A guerra está declarada.
No Uruguai, a guerra civil termina
com a queda do governo pró-Paraguai. A Argentina se vê envolvida no jogo em
abril de 1865, após tropas paraguaias invadirem a província de Corrientes. Em
maio, o Brasil, a Argentina e o Uruguai formam a Tríplice Aliança, com o
intuito de derrubar Solano López. No Paraguai, o
conflito é chamado de Guerra da Tríplice Aliança.
O mariscal chega a obter vitórias no
início, mas logo passa a colecionar derrotas. No final, ele se vê obrigado a
convocar até crianças e anciãos às armas.
Documentos guardados no Arquivo do
Senado mostram que os senadores do Império descreviam Solano López como
“tirano” e o comparavam a Napoleão, o imperador francês que tentou dominar a
Europa.
Numa sessão em 1868, um senador leu
um documento em que o paraguaio aparecia como “marechal López”. Houve risos. Os
senadores sabiam que ele fora alçado por decreto ao degrau mais alto da
hierarquia militar. Preferiam chamá-lo de general.
Em janeiro de 1869, as tropas
brasileiras ocupam Assunção. Em março de 1870, Solano López é descoberto nas
montanhas do norte do país e morto na Batalha de Cerro Corá.
Terminado o conflito, a lembrança que
os paraguaios, traumatizados, guardaram de Solano López foi a do déspota que
arrastou o país para uma guerra catastrófica. A imagem oposta seria idealizada
mais tarde, pelos ditadores que se sucederam em Assunção ao longo do século 20.
O mariscal passou a ser incensado como um bravo líder que lutou por anos para
defender os compatriotas e no final deu a vida em sacrifício.
— Era a ditadura moderna buscando se
legitimar por meio da ditadura do passado. O ditador do momento se apresentava
como a continuidade da luta de Solano López pela soberania do Paraguai —
explica Thomas Whigham, historiador da Universidade da Geórgia (EUA) e autor de
La Guerra de la Triple Alianza (sem edição em português).
Em 1936, a ditadura do coronel Rafael
Franco inaugurou o Panteão Nacional dos Heróis e nele abrigou os restos mortais
do mariscal. Em 1978, o general Alfredo Stroessner patrocinou as filmagens do épico
Cerro Corá, que cristaliza a imagem de mártir. O cartaz promocional anuncia
“uma história de amor, coragem e sacrifício”. O filme é exibido até hoje na TV.
A mesma visão romantizada chegou ao
Brasil e à Argentina nos anos 1960. Argumentava-se que a guerra fora tramada
por Londres, que supostamente não estava gostando de ver o Paraguai se
industrializar sem depender das manufaturas inglesas. A Tríplice Aliança teria
sido usada como marionete da Inglaterra.
A versão foi ensinada nas salas de
aula brasileiras e argentinas até os anos 1990, quando os historiadores enfim
se deram conta da ficção. Primeiro, o Paraguai não tinha indústria relevante.
Depois, se a Inglaterra queria transformar o país em mercado consumidor, não
fazia sentido incitar uma guerra que dizimaria a população. Por fim, as
relações diplomáticas entre o Brasil e a Inglaterra estavam rompidas quando a
guerra estourou, por causa da Questão Christie.
Hoje se entende que essa
interpretação era uma forma sutil de atacar as ditaduras que, apoiadas pelos
EUA, governaram o Brasil e a Argentina nos anos 1960 e 1970. Por um lado,
atingia-se o imperialismo — o inglês e o americano. Por outro, criticavam-se os
militares — tanto os que destroçaram o Paraguai quanto os que haviam tomado o
poder em Brasília e Buenos Aires.
O Paraguai se tornou um país
democrático em 1989, com a queda de Stroessner. No entanto, o culto a Solano
López permanece. Uma explicação é o fato de os horrores do conflito estarem até
hoje presentes na memória coletiva, como uma ferida não cicatrizada. A
existência de um herói, ainda que irreal, serve de alento. Outra explicação é o
fato de não ter havido liberdade acadêmica durante os 35 anos da ditadura
Stroessner.
Professores e pesquisadores que
questionaram a versão oficial da história chegaram a ser presos e exilados.
Dia de Luto Nacional
Os alunos paraguaios sabem de cor o
nome das batalhas. É provável que conheçam mais que os brasileiros o conde d’Eu
— o marido da princesa Isabel foi comandante das tropas do Império. Entre as
datas oficiais, estão o Dia dos Heróis Nacionais, 1º de março, quando Solano
López foi morto, e o Dia das Crianças, 16 de agosto, quando centenas de meninos
soldados morreram na Batalha de Acosta Ñu.
Em julho, um grupo de deputados
apresentou um projeto de lei que, sendo aprovado, agregará mais uma data cívica
ao calendário: o Dia de Luto Nacional pelo Genocídio do Povo Paraguaio, em 12
de agosto, quando se travou a Batalha de Piribebuy.
O ponto mais conhecido da batalha é o
incêndio de um hospital que resultou na morte dos que estavam internados. Na
versão paraguaia, o conde d’Eu ordenou o atentado. Para historiadores
brasileiros, as chamas foram provocadas pelas faíscas das armas e se espalharam
pelas paredes de madeira do hospital.
— Os paraguaios gostam de refletir
sobre o passado. O mariscal López e a Guerra da Tríplice Aliança são temas
onipresentes — afirma o deputado Ricardo González, um dos autores.
Na avaliação do historiador Ricardo
Salles, autor de Guerra do Paraguai — escravidão e cidadania na formação do
Exército (Paz e Terra), a população paraguaia foi, sim, aniquilada, mas não se
pode falar em genocídio:
— Ainda que tenham ocorrido degolas,
fuzilamentos e outras barbaridades, o Brasil não atacou o Paraguai com o
objetivo de exterminar a população. Foi uma guerra. E as mortes não podem ser
creditadas integralmente ao Brasil. No final, Solano López recrutava qualquer
um que tivesse entre 12 e 60 anos. Pessoas morreram de fome porque soldados dos
dois lados confiscaram o gado e a colheita.
O historiador Francisco Doratioto,
autor de Maldita Guerra — nova história da Guerra do Paraguai (Companhia das
Letras), diz que é absurdo ver Solano López como herói:
— Ele sacrificou um país inteiro
inutilmente. O herói foi o povo paraguaio, que acreditou na história de que a
independência do país era ameaçada pelo Brasil e pela Argentina. O paraguaio
atendeu a convocação para pegar em armas e lutou bravamente, mas pagou um preço
alto demais.
Assista a vídeo da Agência Senado
sobre os 150 anos da guerra: http://bit.ly/GuerraParaguai
“Conflito foi feito às apalpadelas”,
afirmou Caxias no Senado
Em julho de 1870, o duque de Caxias, senador
vitalício pelo Partido Conservador desde 1845, subiu à tribuna do Senado para
fazer uma prestação de contas de seu trabalho como comandante das tropas
aliadas na recém-concluída Guerra do Paraguai. Na prática, tratou-se mais de
uma resposta às inúmeras acusações feitas pelos senadores do Partido Liberal
enquanto ele esteve na guerra. Os adversários criticaram, por exemplo, a
lentidão com que os soldados tomaram a Fortaleza de Humaitá e ocuparam
Assunção.
— Senhores, não há nada mais fácil do
que criticar operações e indicar planos mais vantajosos depois de os fatos
estarem consumados, de longe e com sangue frio. Mas o mesmo não acontece a quem
se acha no teatro das operações, caminhando nas trevas, em um país inteiramente
desconhecido e inçado de dificuldades naturais — disse.
No pronunciamento, Caxias lembrou que
não existiam mapas do Paraguai nem pessoas de confiança que conhecessem os
acidentes geográficos do país:
— É preciso que os nobres senadores
se convençam de que a Guerra do Paraguai, desde o seu começo, foi feita às
apalpadelas. Só se conhecia o terreno que se pisava. Era preciso ir fazendo
reconhecimentos e explorações para poder dar um passo.
Caxias era um militar brilhante,
célebre por sufocar movimentos revoltosos como a Balaiada, no Maranhão, e a
Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Quando foi convocado para comandar
as tropas na Guerra do Paraguai, em 1866, era marquês. O título de duque seria dado
por dom Pedro II em 1869.
O senador foi chamado para os campos
de batalha porque o comando anterior dava mostras de que não conseguiria vencer
Solano López. No discurso no Senado, Caxias disse que encontrou as tropas num
estado lamentável. Elas estavam divididas em dois corpos completamente
diferentes, inclusive com soldos, critérios de promoção e uniformes próprios.
Segundo ele, “pareciam pertencer a nações diferentes”.
O comandante resolveu o problema da
falta de cavalos para os soldados e providenciou lugares seguros para se
trancafiarem os prisioneiros de guerra. Antes, contou ele no Senado, os detidos
eram simplesmente mantidos “no meio do campo, cercados de sentinelas”. Com a
guerra em curso, Caxias fez uma reforma no Exército.
Após a tomada de Assunção, na virada
de 1868 para 1869, Caxias, com a saúde debilitada, retirou-se da guerra.
Naquele momento, os militares cotados para a missão ocupavam postos políticos.
Se Pedro II escolhesse um liberal, provocaria a ira dos conservadores — e
vice-versa. Acabou optando pelo conde d’Eu, marido da princesa Isabel, por ser
uma figura politicamente neutra. Nascido na França, ele havia adquirido
experiência militar em campos de batalha no Marrocos, antes de se mudar para o
Brasil.
Bisneto de Solano López pede ao Brasil
que devolva canhão paraguaio
Miguel Solano López é um dos bisnetos
de Francisco Solano López, o presidente paraguaio na época da guerra.
De acordo com ele, “para que as feridas se
cicatrizem no Paraguai”, o Brasil precisa devolver um canhão que foi levado
como troféu de guerra e atualmente está exposto no Museu Histórico Nacional, no
Rio de Janeiro. A arma é conhecida como canhão cristão, por ter sido feita com
o metal dos sinos das igrejas de Assunção.
O Itamaraty, porém, afirma que não há
“negociação em curso sobre o assunto ou pedido oficial por parte do governo do
Paraguai”.
Miguel Solano López tem 69 anos e é o
embaixador do Paraguai em Londres. Na entrevista ao Jornal do Senado, ele fez
questão de frisar que falava não como diplomata, mas como “descendente do
personagem mais famoso da história do Paraguai”. A seguir, trechos da
entrevista:
“Considero a expressão Guerra do
Paraguai ofensiva, porque dá a entender que foi o Paraguai que provocou o
conflito. Prefiro chamar o conflito de Guerra da Tríplice Aliança. O paraguaio
se sente ofendido até o fundo da alma quando se insiste em dizer que ele foi o
culpado e que os aliados foram inocentes. O conflito foi provocado pelo Brasil.
Francisco Solano López era um homem
de paz, tanto que sempre buscou assegurar a independência do Uruguai. O
Paraguai enfrentava problemas para usar o porto de Buenos Aires. Por isso, o
acesso ao porto de Montevidéu era questão de vida ou morte. O Paraguai tinha um
acordo com o Brasil pelo qual ambos se tornaram garantidores da independência
do Uruguai. Em 1864, com a revolução, subiu ao poder em Montevidéu um governo apoiado
pela Argentina. O Brasil, porém, negou-se a garantir a independência uruguaia.
É então que surge a situação de guerra entre Brasil e Paraguai.
A guerra não foi favorável ao
Paraguai, mas os paraguaios veem o duque de Caxias com profundo respeito, porque
ele era um homem integramente militar. Quando as tropas aliadas tomam Assunção,
Caxias considera a guerra terminada. Para dom Pedro II, porém, a guerra só
acabaria com a morte de Francisco Solano López. É então que chega o conde d’Eu,
que comandou as tropas no último ano da guerra. Foi nesse ano que o Paraguai
foi completamente destroçado.
Quando me perguntam por que os
paraguaios conhecem mais a guerra que brasileiros, argentinos e uruguaios, a
resposta é simples: o Paraguai nunca conseguiu se recuperar completamente de
toda aquela destruição.
Compare com a 2ª Guerra Mundial. Os
aliados, logo depois, fizeram um esforço para recuperar os países derrotados. A
Alemanha e o Japão ressurgiram em poucos anos. No caso do Paraguai, mesmo
passados 150 anos, isso nunca aconteceu.
O Uruguai e a Argentina já deram
passos importantes em direção à reconciliação. Em Montevidéu, existe uma
estátua de Francisco Solano López a cavalo. O presidente argentino Juan Domingo
Perón devolveu relíquias ao Paraguai. Recentemente, Cristina Kirchner batizou
um regimento do Exército argentino com o nome de Francisco Solano López.
O Brasil, no governo de João
Figueiredo, restituiu a espada que Solano López tinha na mão no momento de sua
morte. Mas falta entregar o canhão cristão, que, dos troféus de guerra, é o
mais caro aos paraguaios. Quando isso ocorrer, não tenho dúvidas de que as
cicatrizes no Paraguai se cicatrizarão. A iniciativa da reconciliação deve
partir do Brasil, que foi o vencedor, não do Paraguai.”
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